Criada para traçar um diagnóstico das primeiras séries do ensino fundamental, o ciclo de alfabetização, a Prova ABC, aplicada pela primeira vez em 2011, revelou que praticamente metade das crianças do Brasil concluem essa etapa sem ter efetivamente aprendido a ler ou a fazer contas. A avaliação consistiu na aplicação de questões de Matemática e de Língua Portuguesa, elaboradas com referência no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e na Provinha Brasil. Os itens foram resolvidos por crianças que concluíram o 3º ano do ensino fundamental (antiga 2ª série). Segundo o levantamento — fruto de parceria entre o Movimento Todos Pela Educação, o Instituto Paulo Montenegro/Ibope, a Fundação Cesgranrio e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) —, 56,1% dos alunos aprenderam o que era esperado em Leitura para este nível do ensino, e 42,8% em Matemática, com grande variação entre as regiões do Brasil e entre as redes de ensino (pública e particular). Diretora executiva do movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz informa que a avaliação foi criada com o objetivo de verificar a qualidade da alfabetização no país, uma vez que uma das cinco metas fundamentais do Todos pela Educação é que toda criança esteja plenamente alfabetizada até os oito anos. "É importante termos um retrato de como está a alfabetização até os oito anos de idade para que os gestores públicos e os das escolas possam fazer sua correção de rumo.
Precisamos ter 100% das crianças plenamente alfabetizadas, caso contrário, o aprendizado delas fica comprometido. Elaboramos a Prova ABC pois não havia ainda nenhum indicador específico para essa etapa do ensino", explica a educadora. Com relação aos resultados da prova, Priscila Cruz argumenta que, apesar de revelarem deficiências no aprendizado dos estudantes, o desempenho nas séries iniciais do ensino fundamental é bem melhor do que no ensino médio. "A grosso modo, podemos dizer que metade dos alunos tem aprendizado esperado para idade. Se formos comparar com o ensino médio, onde 11% dos alunos têm o aprendizado esperado em Matemática e 28,9% em Língua Portuguesa, os dados revelam que o começo do ensino fundamental é mais eficiente do que o ensino médio. Porém, quando levamos em consideração o direito de aprender e a nossa meta de 100% das crianças plenamente alfabetizadas, o fato de metade do público não ter atingido patamares mínimos indica uma situação ruim", esclarece a diretora executiva do movimento Todos pela Educação.
Prova ABC revela várias desigualdades no desempenho - Um aspecto dos resultados da Prova ABC considerado preocupante pela diretora executiva do movimento Todos pela Educação é o da desigualdade no nível de aprendizado dos alunos, que se acentua tanto entre as cinco regiões do país quanto entre o desempenho nas redes pública e particular. Segundo os resultados da Prova ABC, 42,5% dos alunos da região Nordeste e 43,5% dos da região Norte conseguem ler um texto e identificar temática, personagens e suas características, além de estabelecer relações de causa e consequência a partir da história. O resultado é pelo menos 20% maior no Sul (64,6%), Centro-Oeste (64,1%) e Sudeste (62,8%). A situação se repete na avaliação da escrita. Em escala de 0 a 100 pontos, em que o mínimo esperado é 75, os estudantes do Norte e Nordeste alcançaram uma média de 58,9 e 50,2 pontos, respectivamente. No Sudeste, onde foi detectado o melhor resultado, a média foi de 77,2, seguido das regiões Sul (74,5) e Centro-Oeste (73,9). Já em Matemática as diferenças se acentuam, pois 28,3% dos estudantes da região Norte e 32,3% do Nordeste são capazes de realizar operações básicas de adição e subtração, ou ainda calcular troco, ler as horas e identificar os lados de um polígono. No Sul, esse indicador sobe para 55,6%, seguido por 50,3% do Centro-Oeste e 47,9% do Sudeste.
O mesmo problema surgiu na análise do desempenho entre as redes pública e privada. No teste de escrita, a média nas escolas particulares foi de 86,2 pontos, enquanto nas escolas públicas ficou em 62,3, em uma escala de 0 a 100. O esperado é que os alunos do 3º ano do ensino fundamental alcancem pelo menos 75 pontos. Na avaliação de leitura, a média das escolas particulares foi de 216,7 pontos contra 175,7 obtidos no ensino público. E em Matemática, as diferenças sobressaem: estudantes de instituições privadas conseguiram média de 211,2 enquanto que os da rede pública obtiveram 158 pontos. Para ambas as habilidades, a escala utilizada vai de 100 a 375, sendo que a pontuação esperada para as crianças que concluíram com êxito essa etapa do ensino seja de 175 pontos. De acordo com Priscila Cruz, uma causa comum às desigualdades, tanto entre as regiões quanto entre os sistemas de ensino, é a condição socioeconômica dos alunos. "As regiões Norte e Nordeste têm uma média socioeconômica menor do que as regiões Sul e Sudeste", assinala.
Atenção diferenciada para alunos com mais dificuldades
No entanto, a especialista alerta para o fato de que os dados não devem levar a uma condenação da rede pública. As estatísticas, segundo ela, servem para orientar governantes na elaboração de políticas públicas que ataquem os problemas de aprendizagem logo no primeiro ciclo a fim de que os estudantes tenham condições de acompanhar o fluxo de aprendizagem. A diferença no desempenho, segundo a diretora executiva do Todos pela Educação, está entre os públicos atendidos pelas duas redes de ensino. "Gostaria de reforçar que a escola pública não é pior do que a privada. Acontece que a escola privada recebe alunos com acesso a bens culturais em casa; são filhos de pais que têm uma escolaridade maior, o que tem um impacto gigantesco na aprendizagem das crianças. São crianças que têm livros em casa, que tiveram educação infantil. Todos esses são fatores de grande impacto na aprendizagem", informa a educadora. Por outro lado, assinala Priscila Cruz, a escola pública recebe um público diverso. "A escola pública, que é republicana, aceita todos os estudantes, com toda diversidade cultural, religiosa, e tem uma população heterogênea. É importante frisar esse aspecto pois fica parecendo que a escola pública é pior do que a privada", observa a especialista. Embora a análise diferenciada ajude a compreender as desigualdades, a situação em si não é aceitável. De acordo com a diretora do Todos pela Educação, a educação deve ser uma política compensatória e escolas e estudantes com mais dificuldades merecem atenção redobrada do poder público, que deve fornecer melhor infraestrutura e apoio técnico a unidades que atendam as classes menos favorecidas.
Incentivo à leitura na infância facilita aprendizado - Avaliações internacionais revelam uma correlação entre o bom desempenho dos estudantes e o número de livros lidos. Priscila Cruz ilustra o argumento ancorada em estudos feitos pelo Pisa, sigla em inglês do Programa Internacional de Avaliação de Alunos. Por isso, a especialista recomenda o estímulo precoce à leitura. "O hábito da leitura começa desde cedo. É importante que haja campanhas de incentivo à leitura para os pais das crianças. As crianças, principalmente as pequenas, agem pelo exemplo. Por isso, é importante que elas vejam os pais lendo livros. Por isso, é essencial a Educação de Jovens e Adultos: quando a escolaridade dos pais aumenta, aumenta também a escolaridade dos filhos", observa a diretora do Todos pela Educação. Dentro desse contexto, a diretora executiva sugere que professores brasileiros repliquem uma iniciativa de incentivo à leitura que tem contribuído para a melhoria do desempenho de estudantes de uma comunidade bastante carente.
"No Chile, há uma escola com uma experiência muito interessante e facilmente replicável. Todos os professores dessa escola, independentemente da disciplina, Matemática, Geografia, Biologia e no caso, o Espanhol, dedicam os dez primeiros minutos de cada aula à leitura: um aluno lê um trecho de um livro, de uma poesia. A iniciativa mostra como a literatura está em todas as áreas e deve perpassar todo o trabalho escolar. Essa escola atende uma clientela muito pobre no Chile e nas avaliações sua média é excelente", completa Priscila Cruz. Nesse sentido, a especialista destaca o fato de que a medida não tem custo algum e depende essencialmente do entrosamento do corpo docente para se tornar realidade. "Basta existir um alinhamento de todos os professores à causa de que todas as crianças saibam ler e escrever. Essa ideia pode ser facilmente implementada em todas as escolas." Entenda a Prova ABC - A Prova ABC foi aplicada no primeiro semestre de 2011 a aproximadamente seis mil alunos do 3º ano do ensino fundamental (antiga 2ª série) de escolas municipais, estaduais e particulares de todas as capitais do país, incluindo o Distrito Federal, totalizando 250 unidades.
Cada criança respondeu a 20 questões de múltipla escolha, de Leitura ou de Matemática (o aluno fez testes de apenas uma das duas áreas). Além disso, todas escreveram uma breve redação — nessa avaliação escrita foi pedido aos alunos que escrevessem uma carta a um amigo, relatando o que haviam feito nas férias. Os resultados foram apresentados nas escalas Saeb de Leitura e Matemática. Segundo esta escala, um aluno aprendeu o esperado para a referida série (3º ano ou 2ª série) a partir de 175 pontos nas duas escalas, tanto para Leitura quanto para Matemática. Em Leitura, ao atingir pelo menos 175 pontos, os alunos, entre outras tarefas, conseguem identificar temas de uma narrativa, localizar informações explícitas, identificar características de personagens em textos como lendas, contos, fábulas e histórias em quadrinhos e perceber relações de causa e efeito contidas nestas narrativas. Em Matemática, ao atingir pelo menos 175 pontos, os alunos têm, por exemplo, domínio da adição e subtração e conseguem resolver problemas envolvendo notas e moedas. A Fundação Cesgranrio preparou e corrigiu as provas, elaborando análises e a colocação dos resultados nas escalas Saeb, com a colaboração do Inep na definição do plano amostral e com contribuições do Instituto Paulo Montenegro. A aplicação da prova foi feita pelo Ibope.
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